segunda-feira, 5 de julho de 2010
A menina que lia sombras
Acordou, lavou seu rosto na pia, comeu seu café da manhã e saiu.
Foi andando até um parque e se sentou em um banco perto da fonte.
Observava as pessoas, seus passos, suas expressões e dizia para si mesma: mentirosos.
Notou que perto das árvores havia uma mulher sentada, quieta demais, concentrada demais em seus pensamentos. O vento balançava seu cabelo e escondia sua face.
Mas a menina não estava olhando diretamente para a silênciosa mulher, e sim para a pequena sombra encolhida da mesma.
Pois-se à sussurrar: — O que tens? Porque estás tão quieta? Tão triste?
A sombra virou-se, incrédula: — Como podes me ver tão nitidamente?
— As sombras são como o coração, não escondem o que sentem nem para si próprios. O corpo é apenas uma fantasia que se veste de sorrisos. Não dá pra confiar no que se sente olhando apenas para uma fantasia, é preciso ir mais longe, atrás dos olhos, no reflexo das pessoas, em suas sombras. — Vejo que estás muito triste — continuou a menina.
Quando a sombra ia começar a falar, a triste mulher levantou-se, sorriu para si mesma e andou para longe. A menina sussurrou: mentirosa.
Uma senhora sentou-se ao seu lado e falou-lhe: — É feio chamar as pessoas de mentirosas.
— Mas elas são — indagou a menina — mentem para si mesmas na esperança de acreditarem em suas próprias mentiras.
A senhora ficou calada observando e escutando a menina.
— Fingem-se inteiras, quando na verdade estão em pedaços. Usam o orgulho, a raiva e todo o resto para tampar buracos, mas sabe, o coração não mente, nem as sombras.
— Sim minha jovem, você está certa — disse a senhora sorrindo — mas as vezes temos que fingir que acreditamos — levantou-se e foi embora.
A menina ficou parada, pensando, reformulando sua linha de raciocínio inúmeras vezes. Olhou pra senhora, que já estava muito à frente, e percebeu sua sombra tão esticada contra o sol, porém muito mais fraca aos olhos — ficamos fracos vivendo nossas próprias mentiras — concluiu a menina.
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