sábado, 2 de maio de 2009

A 'senhora' destino

A decadência de dias calmos surge diante de meus olhos.
Pessoas correndo de um lado pro outro, num desespero que eu posso chamar de carma.
Talvez a cura para suas doenças seja o próprio vírus, talvez a morte seja a cura, ou talvez, nunca existirá uma cura.
As horas passam devagar nessa cidade caótica, estou esperando o ônibus para um lugar onde eu nem sabia que existia.
A demora me deixa ansiosa, afinal mal eu sei pra onde estou indo.
O ônibus chega. Subo as escadas lentamente, degrau após degrau.
Lugar imundo, as cadeiras mal cuidadas, o chão com manchas que lembram coisas desagradáveis e as paredes em tons escuros assombrosos. Devastação.
Encontro no segundo andar do ônibus um lugar limpo, e uma senhora sentada no banco ao lado.
Ao sentar-me ela sorri pra mim e fala: ""Que bom que chegastes."
Involuntariamente retorno seu sorriso e respondo: "Me sinto bem de ter chegado até aqui."
Ela sorri pra mim, suas marcas de velhice bem nítidas em seu rosto enrrugado e flácido.
"Você sabe quem sou?" ela me pergunta com o sorriso entre seus poucos dentes que lhe restaram com o passar do tempo.
"Não sei ao certo, mas é como se eu já te conhecesse." Respondi sem nem ao menos pensar.
"Eu sou quem você chama de destino." Sua feição tão serena me passava uma "calmaria" que somente eu sabia o que significava. Fiquei calada.
"Posso sentir em você, nos seus olhos, eles falam muito." Ela quebrou meu silêncio.
"Talvez meus olhos tem falado mais do que eu ultimamente." Respondi.
Ela sorriu com sua boca torta e enrrugada.
"Você não precisa fazer mais nada. Mantenha o sorriso em seu rosto, deixe seu olhar falar, e deixe que o mundo te leve."
"Como?" Respondi um pouco impaciente. "Eu tenho tentado, sabe?" Conclui.
"Eu sei minha querida, eu sei de tudo que se passa ao seu redor. As marcas em meu rosto não são a toa." Ela mantia o sorriso na boca e eu ficava mais uma vez sem saber o que falar.
"Me deixe te levar pro caminho certo, você sabe, não tem nada que você possa fazer agora. Você já está no lugar certo, agora o que você tem que fazer é esperar que chegue ao seu rumo." Da seriedade à outro sorriso.
"Eu só tenho que ficar aqui pra isso acontecer?" Perguntei.
"Sim, só tem que ficar aqui e eu prometo-te que chegarás aonde deve chegar. A viagem pode não ser calma, pode acontecer acidentes, pode ter turbulências, pode até chegar uma hora que você duvidará que conseguirá se levantar, mas você chegará ao seu devido rumo." Finalizou com uma batidinha em meu ombro.
Seu toque me arrepiou por inteira, mas não como algo ruim, como algo bom, como algo que enchia meu corpo com uma felicidade estranha, como uma... Esperança.
Não pude não sorrir em volta. Minha boca se esticou e um sorriso torto e sem graça apareceu entre meus lábios.
"Você acha que pode demorar?" Perguntei impaciente.
"Nem eu sei isso, minha querida. Olhe pra mim, sabe quanto tempo eu venho acompanhando as pessoas?" Sorri um pouco envergonhada por minha pergunta.
"Não se preocupe, fique aqui próxima de mim e chegarás inteira, talvez não curada, mas inteira." Sorriu despreocupada.
Passou seu braço velho e pelancudo por meu ombro e disse: "Deixa o tempo te mostrar o verdadeiro significado da palavra 'amar'."
Ao mesmo tempo que senti uma vontade incontrolável de rir, meu corpo tremeu com um tal pavor.
Ela deu uma risadinha, daquelas que me lembram a da minha vó e completou: "Não adianta você querer correr contra o tempo, você não tem tempo à perder pra isso, você tem que deixar sua vida te levar, sempre agindo com cautela e sorrindo, por pior que esteja a tempestade. Se recuse as vezes, pare de esperar a cura pro mal. No final o bem sempre vence, não é?"
"Eu nem sei o que dizer" Abaixei a cabeça.
"Você não precisa falar nada, eu consigo ver a resposta nos seus olhos."
"Obrigada." Minha cabeça abaixava demonstrava a minha vergonha.
"Porque estás com vergonha?" Ela perguntou levantando meu rosto.
"Por querer lutar contra você, contra o tempo." Respondi séria.
"Todos tentam querida, todos tentam, mas ninguém consegue lutar contra algo que já está predestinado. Não precisa ficar com vergonha. Eu acho que você já enchergou, por mais que doa." Ela falou.
"Sim, talvez eu já tenha percebido, e não queira admitir isso pra mim mesma." Respondi.
"Cedo ou tarde você irá admitir, mas lembre-se.. Você não tem tempo à perder. A vida não para." Sua seriedade era até preocupante ao meu ver.
"Posso ficar aqui então?" Perguntei.
"Você não tem mais pra onde ir querida, lá fora o tempo está feio, você sabe que a tempestade ainda não acabou, por mais que seu céu esteja claro agora. Você está no centro da tempestade, qualquer movimento errado e você será arrastada." Ela disse com um pouco de preocupação.
Eu sabia que tudo dependia de mim agora e ao mesmo tempo não.
"Vou ficar então."
"Eu sei que vai, e posso te garantir que quando chegar ao seu destino, descerás sorrindo e enxugando a ultima lágrima que cairá de seus olhos."

Não pude não sorrir novamente. Me indireitei na cadeira que agora parecia mais confortável e fechei meus olhos.
Pensando demais em coisas que eu já nem sabia mais.

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